segunda-feira, 19 de julho de 2010

ENTÃO


Já tenho muitos amores longe de mim. Quais seriam os próximos?
Com as filhas eu aprendo a suportar a dor.
Diariamente tenho enfrentamento por já ter falado demais, por já ter andado demais, não posso ter andado tanto, não posso ter conhecido lugares e pessoas, tenho que ter a culpa de tê-lo feito, além de descuidar de ter pensado que podia ser amor se entregar a quem fere toda a família. Todos os dias petardos e pedras pela felicidade posta em minhas contas. Sobre as minhas contas. Que conta a grana sim, e por que fui deixar de andar pelos caminhos que se apresentam abertos para mim para ficar manejando o que não tem conserto? Onde fui arranjar desculpa pra mim que a casa tem que ser mantida? Que tem que ser casa com gente dentro. Mesmo que as brigas sejam a única maneira possível de se cobrar? Cobrar o quê? Fico do seu lado pra conseguir ser pisado todo dia até suportar toda a maneira de não poder me defender nem de falar o que sinto por sufocação por atrapalhado por querer me ver na lama. Fico pela maneira de sustentar o que não poderei falar nunca pois tudo que foi falado e tudo que vier a ser falado nunca será identificado nem entendido nem ouvido sem que junto venha uma porrada simplesmente porque o mundo joga contra, tudo joga contra, a vida joga contra. Mesmo estando do lado de quem nunca esteve do lado de ninguém, a bater na mãe a desprezar a filha a desconsiderar a irmã. Fico por que faço o quê?
Posso manter meu coração leve com tudo. Posso estranhamente ser digno e sereno. Posso ir recebendo a facada de ser morto todo dia. Posso ser escancarado como um displicente como um desprovido como um desterro. Posso ser desmantelado e ser entregue aos delírios de quem quer me dizer quem sou pelo jeito que eu não disse dos meus todos os dias em que disse como sou.
Posso dizer que amo o mais puro gostar de ver um sorriso na mulher que mora comigo. Mas eu preciso assumir o suicídio, os gritos o desespero os destemperos diários que me afligem. Preciso ser a média destruída do que propus pra mim até que me perceba usado de maneira torpe e desencarnado da mais pura sensação de alívio e divindade que não me são ditos, que não me são espancados todo dia porque os deito na cama juntos aos livros e escritos e a música que toco pros meus amores dentro de mim.
Já devia ter-me sido enterrado, não sei porque bocejo ainda todo dia depois de tanto escarniado. Já me sinto devorado e a dizer tudo sem palavras e de ser ao menos sentido mais que vibrar o som do que não falo. Descobri há pouco que já disse o que foi ouvido, que parecia a mim um gostar de ouvir o que dizia nas manhãs de amor que para mim eram, mas não, era ouvir por ouvir talvez. Repercute assim ao tentar no coração ficar leve, livre de tanto rancor diário, livre de querer manter a casa. O que seria? A casa? Dava pra ser um espaço visionário e perplexo a receber todas as boas energias, dava pra ser o encanto dos amigos, dava pra ser a vida, não a desvivida, dos que moram na casa. Dava pra não olhar pra trás e receber as boas-vindas, dava pra olhar pra trás e dar as boas-vindas. Dava, a casa, para amar o estar na casa cuidando de cada cantinho, madeira, água, fogo, ar, terra, deus, Jesus, Krishna, Buda, Oxalá! Dava pra não dizer adeus, pra dizer olá, bom dia. Dava.
Morto a cada dia me deparo comigo a reviver a vida, ou a despertar a morte qual me encontro comigo e de frente a mim sem espelho, que morto não se vê depois só antes. E será no violão o tocar dos céus, será no escrever será no discernir, será no trabalhar durante anos a fio pra ser um nada sem complacência mas viajando de lado a lado. Ou a deixar viajar de lado a lado de boca em boca de vento em vento, pra ser um tudo.
Não há que receber nada, não há que desagrupar nada que já desagrupado, não há que esperar nada que já acontecido. Há que desejar o porvir, por vir e estar nele, onde os mortos perduram sem pestanejar. E os vivos que aqui estão ou possam estar que já não mais se degladeiem, que não se injuriem, que não se maltratem, que se a morte seja menos lívida há a vida, que seja a parte entre amar e deixar amar, dizer e deixar dizer. Que seja nunca a vítima de si mesma, que seja a casa que desponta em outra casa, que mais anda em outra parte, que mais cria um outro espaço. Que sejam os meus sonhos desmurchados, desnudos, mostrados às palavras sem música, na música das palavras, nos sons da música, no tom das cores, nas cores das paredes, nas paredes das casas, nas casas.
Que nada é recebido que não seja cobrado? Que nada é conferido que não seja doado? Que nada é sustentado, que nada é anverso, que não existe outro lado. Que me distribuo pelas pessoas como a paz pluma livre de uma alma, que estou nos lugares onde todos, que primazio pelo ser com as pessoas até quando elas me entendam, e depois flutuo ou elas me explodem a gosto.
Por gosto de rogar à minha feita penso sempre estar conciso com o que me sou, apesar de pelas tantas ao desprezo sejam as rosas qual deleite o cheiro são-me a causa que por vezes envenenam. E de jeito sei que são os meus amores a deixarem-me a gozarem-me a viverem-me a morrerem-me sempre a estar comigo e ser o que de antes pronto não me concebi e fui a me distribuir sem ao menos ver defeitos. E de ser os mesmos defeitos.

De alguém que já morreu e mandou esse recadinho. 18 de julho de 2010.

E até parece mesmo que sou eu né? Os mortos também escrevem...
beijo,
Cláu

2 comentários:

  1. Foi a Bia quem me falou do seu blog.
    Tem a sua cara... Depois de tantos anos, talvez eu sobesse reconhecer as palavras, mesmo inominadas.
    Adorei esse texto.
    Principalmente o fato extra de que fora escrito por um morto... É, os mortos também vivem nos vivos.
    Bye

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  2. Oi Nine!
    Obrigada pelos comentários e pela visita!
    É muito bom ter você por aqui!
    Volte sempre que quiser e sinta-se à vontade.
    Beijão
    Dinha

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